Numa época globalizada onde, cada vez mais, temos uma vida socialmente acelerada e muitas vezes imersa numa dinâmica de aumento das relações sociais digitais em detrimento as interacções físicas, o conceito de “não-lugar” citado pelo antropólogo francês Marc Augé, no início do século da década de 1990, tem cada vez mais expressividade. O autor classifica como não-lugares, a grosso modo, como espaços de transição do nosso dia-a-dia, espaços que não acumulam significados ou não estimulam relações sociais entre os indivíduos de maneira suficiente para poderem ser denominado lugares. Estações de comboios, mercados, shoppings, entre outros. Espaços que, sem exagero ao afirmar, constituem na actualidade mais da metade dos locais visitados dentro da rotina de muitos indivíduos.
A maneira “top-down” pelo qual o planeamento urbano vem sendo exercido historicamente, focando nos espaços públicos de maior escala, como praças, bosques e marcos urbanos, não tem como prioridade o fortalecimento de pequenos lugares públicos de encontros quotidianos que, mesmo em escala menor, são detentores de muito valor e, muitas vezes, mais significado para os habitantes da cidade do que quaisquer outros espaços.
Dentro desta óptica, as intervenções urbanas denominadas como “Placemaking” surgiram. Projectos de “Placemaking” visam transformar os espaços públicos com o auxílio da população, de forma a construir lugares com fortes vínculos as comunidades do entorno e que fortaleçam os seus laços sociais e culturais. Deste modo, a hierarquia dominante no campo de actuação do urbanismo foi desafiada e alguns profissionais em campos de ação próximos à esfera urbana passaram a trabalhar junto aos habitantes da cidade, num modelo “bottom-up” de actuação, de forma a reforçar os lugares muitas vezes negligenciados pelo poder público.
De maneira mais específica dentro da esfera do “Placemaking”, as intervenções de urbanismo táctico surgiram como uma maneira de projectar o espaço urbano junto aos habitantes dos locais a serem construídos e em escalas muito reduzidas ou pontuais. Esta interacção dinâmica entre especialistas e cidadãos contribui para a transformação de espaços ou não-lugares, em lugares com valores identitários presentes e permeados por um forte senso de pertença e envolvimento pelos usuários. Além disso, é possível avaliar e monitorizar a performance de uma intervenção específica antes de engajar em projectos maiores da mesma natureza, o que contribui para acrescentar uma componente de flexibilidade ao acto de projectar o ambiente urbano em larga escala.
Nairobi, KE. Fonte: Placemaking Network Nairobi | Juiz de Fora, BR. Fonte: ArchDaily | Porto Alegre, BR. Fonte: ArchDaily
Mesmo com muitos entusiastas, o “Placemaking” como metodologia de projecto não é um modo de intervenção isento de problemas. As preocupações e críticas existentes variam desde as questões de salvaguarda do património e até a questão da gentrificação de áreas periféricas, o que faz com que a percepção dos especialistas sobre o assunto seja divergente em vários aspectos. Apesar disso, é inquestionável que, no universo das dinâmicas sociais urbanas do século XXI, desenhar o espaço público sem a participação dos cidadãos pode levar a mais problemas do que soluções. O acto de projectar depende de pessoas e, como tal, pode gerar bons ou maus frutos dependendo de quem o faz. Por fim, pode-se dizer que, num mar de não-lugares reflectido em grande parte das cidades modernas, estas pequenas ilhas construídas com o auxílio dos habitantes da cidade são um passo positivo para (quem sabe) que possamos construir um arquipélago de intervenções de base comunitária que tornem o nosso habitat cada vez mais democrático.
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